os negros espalhados pelas cidades e fazendas brasileiras não receberam um tostão pelos 350 anos de trabalho forçado
Vestida em rendas valencianas e sedas peroladas, a princesa regente procurava passagem no meio da multidão de 10 mil pessoas, na tentativa de chegar ao balcão do Paço, no Rio de Janeiro. Sob uma chuva de flores atiradas por senhoras, conseguiu subir à sacada. Eram 15 para as 3 da tarde quando entrou na sala do trono e assinou a lei 3 353 com uma pena de ouro. Do lado de fora, ao saber que a princesa Isabel havia sancionado a Lei Áurea e posto fim à escravidão, o povo explodiu em gritos, vivas, salves. Festa parecida com a que tomou a ilha de Itaparica, na Bahia: por três dias e três noites, tambores e batuques ecoaram pelas copas das mangueiras. Mas os relatos de uma velha escrava da ilha contam que, acabada a comemoração, o senhor do engenho reuniu todos os escravos e os mandou embora, um a um. Os negros partiram dali sem terra, sem comida, sem dinheiro, sem sapatos, vestidos em roupas velhas de algodão grosso. Naquela dispersão miserável começava a liberdade.
De acordo com os termos da Abolição (de 13 de maio de 1888), a lei oficializou o princípio jurídico da igualdade. "Muitos foram os que saíram dos engenhos e fazendas para buscarem a liberdade na pesca e na mariscagem, outros para seguirem Antônio Conselheiro. Houve os que se embrenharam nas matas para constituírem os novos quilombos. Para todos esses rurais, o preço da liberdade era a miséria. Para a grande maioria, no entanto, a impossibilidade de acesso à terra tolhia os sonhos de liberdade", escreveu o historiador Ubiratan Castro de Araujo, no artigo "Reparação Moral, Responsabilidade Pública e Direito à Igualdade do Cidadão Negro no Brasil".
O regime escravocrata já estava enfraquecido desde o início do século 19, e a lei significou, na prática, o fim do sistema mercantil que vigorou no país desde a chegada do primeiro navio negreiro, em 1531. Dos cerca de 10 milhões de negros capturados em diversas regiões da África para serem vendidos como escravos
destinados às Américas, aproximadamente 4 milhões desembarcaram na costa brasileira.
Nagôs, jejes, angolas e benguelas foram algumas das principais etnias obrigadas a viver por aqui. Representam muito do que somos hoje: uma nação que conviveu com três séculos e meio de escravidão e apenas 121 anos de trabalho livre.
A escravidão não é invenção dos portugueses e já existia na África. Mas o tráfico mercantil, liderado por Portugal e depois pelo Brasil, espalhou a prática em escala sem precedentes no oceano Atlântico. "Perversidade intrínseca: escravos eram adquiridos pelos traficantes em troca de mercadorias produzidas pela força de trabalho escrava", escreveu o historiador Jaime Pinsky em A Escravidão no Brasil.
Eram embarcados entre 200 e 600 negros na África, a cada viagem. Vinham amarrados por correntes e separados por sexo. Sofriam, além do desconforto físico, falta de água e doenças. No século 19, dos que vinham de Angola, 10% morriam na travessia, que demorava de 35 a 50 dias.
Assim que chegavam ao Brasil, eles eram postos em quarentena, a fim de evitar mais perdas por doenças. E, para causarem boa impressão, submetidos à engorda e besuntados em óleo de palma, que escondia feridas e dava vigor à pele. Faziam exercícios para combater a atrofia muscular e a artrose.
Depois, seguiam para os mercados de negros da cidade, como o Valongo, na Gamboa, região central do Rio de Janeiro. De cabelos raspados, velhos, jovens, mulheres e crianças eram avaliados pela clientela,
que apalpava dentes, membros e troncos. Um viajante alemão, em viagem à Bahia no século 19,
descreveu: "Assim, pelados, sentados no chão, observando, curiosos, os transeuntes, pouco se diferenciam, aparentemente, dos macacos".
A existência do mercado chegou a se tornar problema de saúde pública, porque os mercadores atiravam cadáveres de africanos em um terreno próximo. Um juiz do distrito, em 1815, ordenou aterrar a área e proibiu a prática: "Mande notificar a todos os negociantes que recolherem pretos no Valongo para que nunca mais se atrevam a lançar para ali cadáveres". Hoje, resta quase nada desses mercados.
"A urbanização, apoiada pela consciência culposa, destruiu esses vestígios", afirma a historiadora Katia
de Queirós Mattoso no livro Ser Escravo no Brasil.
O mesmo ofício que proibiu covas rasas no pântano do Valongo impôs, como penalidade, multa de
30 mil-réis aos armazéns responsáveis, identificados pelas marcas feitas a ferro quente na pele dos
escravos. Segundo documentos do Arquivo Nacional, os negros ganhavam, ainda na África, as iniciais
do traficante; e, ao chegarem aqui, as letras de seus proprietários. A cada vez que fossem vendidos,
seriam novamente marcados.
Dom Manuel, rei de Portugal, foi um dos primeiros a adotar essa prática dolorosa, no início do século 16, com os escravos da coroa. Também era comum gravar uma cruz no peito dos que eram batizados.
E, em 1741, o governador da capitania do Rio, Gomes Freire de Andrade, determinou que os negros fugitivos, uma vez pegos, fossem marcados com um F e obrigados a usar um cordão de estacas. De modo que, se escapassem uma segunda vez, teriam como castigo adicional uma orelha cortada. As marcas e
mutilações só seriam extintas com o Código Criminal do Império, em 1842.Imensa minoria
Esse povo marcado ia tocando a vida em frente e se misturando à cultura brasileira.
"A alforria e a miscigenação geraram uma população mestiça livre que gradualmente se tornou, já na época colonial, quase tão numerosa quanto a escrava, tendo limitações, entretanto, no exercício do sacerdócio, na tropa de primeira linha ou no preenchimento de cargos públicos", escrevem os pesquisadores Ida Lewkowicz, Horacio Gutiérrez e Manolo Florentino no livro Trabalho Compulsório e Trabalho Livre na História do Brasil.
Segundo eles, em 1872, pardos e mulatos livres já eram maioria, ou 42% da população: 4,2 milhões, em comparação a 1,5 milhão de escravos. Ou seja, os negros estavam em vastas áreas rurais e ocupavam as ruas das principais cidades da colônia.
No cenário posterior à Abolição, surgiram tentativas de estabelecer novas relações de trabalho para esse grande contingente. "O fim da escravidão era uma possibilidade de recomeço", escreveu Ubiratan Castro de Araujo. Ele cita o caso raro do advogado Leovigildo Filgueiras, que chegou a criar uma entidade para intermediar contratos entre ex-escravos e novos patrões, a Sociedade Treze de Maio. Mas em vão: "Nem mesmo essa tentativa de precoce terciarização [criação de um setor terciário, de serviços]
funcionou. Continuaram os favores, as obrigações e as clientelas". Outra experiência foi a Guarda Negra segundo o historiador, um movimento político de apoio à princesa Isabel e ao Terceiro Reinado, que pretendia arregimentar simpatia popular e abrir frentes de trabalho onde antes só havia brancos. "Assistimos então pelos jornais baianos ao debate entre negros da Guarda e negros republicanos, que identificavam a
monarquia com a escravidão. Uma vez vitoriosa a República em 1889, a Guarda Negra foi suprimida e os seus líderes mais ativos banidos para a Amazônia, como foi o caso do baiano Manuel Benício dos Santos, conhecido como Macaco Beleza."
A sociedade branca não queria perder seus privilégios. E tratou de reforçar todos os comportamentos que distanciassem os negros na hierarquia social e na divisão do trabalho.
Salvador, a terceira cidade com o maior número de negros no Brasil no século 19 (a primeira era o Rio), exemplificou a recusa: "Após 1888, a sociedade baiana torna-se um corpo assentado, fechado. Suas camadas superiores assumem uma consciência, aguda como nunca antes, de tudo do que pode separar o homem branco do preto ou do mestiço. A cor da pele, antes ‘esquecida’, torna-se, entre ricos e pobres,
uma fronteira nítida. O branco da terra que não teve sucesso econômico passa a ser um negro.Nas relações humanas fortalecem-se todas as regras da humildade, da obediência e da fidelidade dos séculos de escravidão", afirma Kátia Mattoso.
No caso dos negros dispensados em Itaparica, por exemplo, a pesquisadora diz que "muitos atravessam a baía, refugiam-se na grande cidade, acrescentam-se a uma população marginal que tem todas as dificuldades do mundo para arranjar trabalho".
Cidade negra
O Brasil foi o país de maior e mais longa escravidão urbana. Nas cidades, o escravo tinha mais independência do que no campo. "Ele circulava nas ruas, estabelecia vínculos com os homens livres humildes", escreveu Kátia. Havia mais chances de encontrar membros da mesma etnia, em festas e confrarias religiosas realizadas em praça pública, e a presença do senhor era menos opressiva.
Os escravos, mestiços, forros, libertos circulavam fornecendo serviços, e podiam ser alugados.
Os acordos com os senhores também eram flexíveis: havia escravos que recebiam somente comida e
roupa, outros, "escravos de ganho", repassavam ao senhor uma porcentagem dos pagamentos feitos
pelos seus clientes.
Eles vendiam doces, refrescos, frutas, aves e ovos, roupas, chaleiras, velas, estatuetas de santos, poções
de amor. Ou atuavam nos demais ofícios, como barbeiros, ferreiros, quitandeiros, parteiras, doceiras, mascates, lixeiros, carregadores. Transportavam tudo nos ombros e nos braços, até pessoas - brancos brasileiros e
estrangeiros acomodados em cadeirinhas almofadadas. O dinheiro acumulado na prestação desses serviços podia um dia comprar a carta de alforria. Sabendo disso, os senhores renovavam as exigências na negociação. Uma escrava costureira, libertada em 1728, aceitou continuar servindo de graça a sua senhora. E o mulato Isidoro Baptista teve a liberdade prometida para "uma hora antes da morte" de seu senhor. Na década de 1880, sentindo o fim da escravidão, muitos senhores emitiram dezenas de alforrias de uma
só vez, sob a condição de que os escravos trabalhassem mais sete anos.
Nas cidades, ficava difícil, mas possível, comprar a alforria. Nas fazendas de café ou nos canaviais,
contudo, era mais raro. Os engenhos de açúcar impunham uma rotina brutal. Durante a safra, eles funcionavam por até 20 horas por dia, com 80 a 100 pessoas na lida, a maioria homens africanos.
Entre plantar, limpar, colher e transportar, as funções eram distribuídas de modo que cada escravo cumprisse uma parte, mas só o engenho fizesse açúcar. Isso mesmo, no Brasil Colônia já havia uma
espécie de "fordismo"
tropical. Surgem cargos como mestre-de-açúcar e caldeireiro, que podiam ganhar recompensas e até salários. Escravos mulatos ou nascidos no Brasil, conhecidos como crioulos, eram favorecidos na disputa desses postos, em relação aos africanos, vindos, principalmente, da Costa da Mina, noroeste do
continente, e região de Angola.
"A mão de obra escrava foi a força motriz dos principais ciclos econômicos do país", afirma
Gustavo Acioli, doutor em História Econômica pela USP. Em 1700, um negro adulto (de 14 a 45 anos) custava cerca de 100 mil-réis. Mas o valor variou conforme a demanda nos vários setores, em especial açúcar, algodão e café.
Segundo afirma Stuart Schwartz, historiador da Universidade de Yale, no livro Escravos, Roceiros e Rebeldes, "o que os agricultores ofereciam como incentivos, para alcançar seus objetivos, podia ser interpretado pelos escravos como uma oportunidade que talvez lhes melhorasse a vida".
Os escravos do açúcar tinham possibilidades mínimas de conquistar algum benefício, mas se agarravam a essas chances, submetidos à péssima condição que limitava sua expectativa de vida, no fim do século 18,
a 23 anos, em média.
As punições incluíam o chicote, as máscaras de flandres, o tronco, entre outras, mas eram raras, porque afetavam o rendimento do escravo e, de quebra, o do engenho.
A situação dos escravos não era a mesma em todo o país. No século 18, os homens trazidos para procurar fortunas de ouro e diamantes no leito dos rios de Minas Gerais levavam uma vida bem diferente daquela dos engenhos de cana. Uma mina empregava no máximo 30 escravos. Curvado, com os pés na água, o negro procurava as sonhadas pedras por horas a fio, parando somente para comer e fumar.
Mas, se vivia mais isolado, o mineiro tinha mais mobilidade. "A mineração, mais que outros setores econômicos, propiciou aos escravos maior acesso à alforria e alguma mobilidade social graças à
possibilidade de reunir um pecúlio", escrevem os autores de Trabalho Compulsório e Trabalho Livre na História do Brasil. Uma única pepita podia comprar a liberdade.
Isso estimulou outra característica peculiar da escravidão brasileira - a existência dos senhores negros, libertos que conseguiam acumular patrimônio e ter seus próprios escravos. Embora fosse a minoria da minoria (no Rio ou em Salvador, as alforrias não passavam de 2% da população), isso acontecia, especialmente nos centros urbanos e nas minas.
Em 1888, o Brasil se tornou o último país do Ocidente a abolir a escravidão. E os ex-escravos tiveram de se virar para serem absorvidos pela sociedade e sobreviverem.
Dependendo da área em que atuavam - nas minas, na lavoura, nos ofícios urbanosforam integrados de forma diferente ao mercado. Alguns trabalhadores da cidade tiveram a grande vantagem de dominar um ofício e, em alguns casos, contar com uma clientela. No campo ou na capital surgiram os contratos que repetiam o clientelismo, o compadrio, quando não a própria violência física. "O caso exemplar é das escravas domésticas, que mantiveram suas relações com as patroas", afirma a historiadora Ynaê Santos,
pesquisadora da escravidão urbana.
Finalmente, muito dessa história se perdeu. Então ministro da Fazenda, Rui Barbosa mandou queimar,
em 14 de dezembro de 1890, os registros de posse e movimentação patrimonial envolvendo todos os escravos, o que foi feito ao longo de sua gestão e de seu sucessor. A razão alegada para o gesto teria
sido apagar "a mancha" da escravidão
do passado nacional. Mas especialistas afirmam que Rui Barbosa quis, com a medida, inviabilizar o
cálculo de eventuais indenizações que vinham sendo pleiteadas pelos antigos proprietários de escravos. Apenas 11 dias depois da Abolição, um projeto de lei foi encaminhado à Câmara, propondo ressarcir senhores dos prejuízos gerados com a medida.
Mas, mesmo sem os papéis, a escravidão deixou marcas duradouras e traços para sempre visíveis na História do país.
Cidade negra
O Brasil foi o país de maior e mais longa escravidão urbana. Nas cidades, o escravo tinha mais independência do que no campo. "Ele circulava nas ruas, estabelecia vínculos com os homens livres humildes", escreveu Kátia. Havia mais chances de encontrar membros da mesma etnia, em festas e confrarias religiosas realizadas em praça pública, e a presença do senhor era menos opressiva.
Os escravos, mestiços, forros, libertos circulavam fornecendo serviços, e podiam ser alugados.
Os acordos com os senhores também eram flexíveis: havia escravos que recebiam somente comida
e roupa, outros, "escravos de ganho", repassavam ao senhor uma porcentagem dos pagamentos feitos
pelos seus clientes.
Eles vendiam doces, refrescos, frutas, aves e ovos, roupas, chaleiras, velas, estatuetas de santos, poções
de amor. Ou atuavam nos demais ofícios, como barbeiros, ferreiros, quitandeiros, parteiras, doceiras, mascates, lixeiros, carregadores. Transportavam tudo nos ombros e nos braços, até pessoas
brancos brasileiros e estrangeiros acomodados em cadeirinhas almofadadas. O dinheiro acumulado na prestação desses serviços podia um dia comprar a carta de alforria. Sabendo disso, os senhores
renovavam as exigências na negociação. Uma escrava costureira, libertada em 1728, aceitou continuar servindo de graça a sua senhora. E o mulato Isidoro Baptista teve a liberdade prometida para "uma
hora antes da morte" de seu senhor. Na década de 1880, sentindo o fim da escravidão, muitos
senhores emitiram dezenas de alforrias de uma só vez, sob a condição de que os escravos trabalhassem mais sete anos.
Nas cidades, ficava difícil, mas possível, comprar a alforria. Nas fazendas de café ou nos canaviais,
contudo, era mais raro. Os engenhos de açúcar impunham uma rotina brutal. Durante a safra, eles funcionavam por até 20 horas por dia, com 80 a 100 pessoas na lida, a maioria homens africanos.
Entre plantar, limpar, colher e transportar, as funções eram distribuídas de modo que cada escravo cumprisse uma parte, mas só o engenho fizesse açúcar. Isso mesmo, no Brasil Colônia já havia uma
espécie de "fordismo" tropical.
Surgem cargos como mestre-de-açúcar e caldeireiro, que podiam ganhar recompensas e até salários. Escravos mulatos ou nascidos no Brasil, conhecidos como crioulos, eram favorecidos na disputa
desses postos, em relação aos africanos, vindos, principalmente, da Costa da Mina, noroeste do
continente, e região de Angola. "A mão de obra escrava foi a força motriz dos principais ciclos
econômicos do país", afirma Gustavo Acioli, doutor em História Econômica pela USP. Em 1700,
um negro adulto (de 14 a 45 anos) custava cerca de 100 mil-réis. Mas o valor variou conforme a
demanda nos vários setores, em especial açúcar, algodão e café.
Segundo afirma Stuart Schwartz, historiador da Universidade de Yale, no livro Escravos,
Roceiros e Rebeldes, "o que os agricultores ofereciam como incentivos, para alcançar seus objetivos,
podia ser interpretado pelos escravos como uma oportunidade que talvez lhes melhorasse a vida".
Os escravos do açúcar tinham possibilidades mínimas de conquistar algum benefício, mas se agarravam
a essas chances, submetidos à péssima condição que limitava sua expectativa de vida, no fim do
século 18, a 23 anos, em média.
As punições incluíam o chicote, as máscaras de flandres, o tronco, entre outras, mas eram raras,
porque afetavam o rendimento do escravo e, de quebra, o do engenho.
A situação dos escravos não era a mesma em todo o país. No século 18, os homens trazidos
para procurar fortunas de ouro e diamantes no leito dos rios de Minas Gerais levavam uma
vida bem diferente daquela dos engenhos de cana. Uma mina empregava no máximo 30 escravos.
Curvado, com os pés na água, o negro procurava as sonhadas pedras por horas a fio, parando
somente para comer e fumar. Mas, se vivia mais isolado, o mineiro tinha mais mobilidade.
"A mineração, mais que outros setores econômicos, propiciou aos escravos maior acesso à alforria
e alguma mobilidade social graças à possibilidade de reunir um pecúlio", escrevem os autores de
Trabalho Compulsório e Trabalho Livre na História do Brasil. Uma única pepita podia comprar a
liberdade. Isso estimulou outra característica peculiar da escravidão brasileira - a existência dos
senhores negros, libertos que conseguiam acumular patrimônio e ter seus próprios escravos.
Embora fosse a minoria da minoria (no Rio ou em Salvador, as alforrias não passavam de 2% da população), isso acontecia, especialmente nos centros urbanos e nas minas.
Em 1888, o Brasil se tornou o último país do Ocidente a abolir a escravidão.
E os ex-escravos tiveram de se virar para serem absorvidos pela sociedade e sobreviverem.
Dependendo da área em que atuavam - nas minas, na lavoura, nos ofícios urbanos, foram integrados de forma diferente ao mercado. Alguns trabalhadores da cidade tiveram a grande vantagem de dominar um ofício e, em alguns casos, contar com uma clientela.
No campo ou na capital surgiram os contratos que repetiam o clientelismo, o compadrio, quando não a própria violência física. "O caso exemplar é das escravas domésticas, que mantiveram suas relações com
as patroas", afirma a historiadora Ynaê Santos, pesquisadora da escravidão urbana.
Finalmente, muito dessa história se perdeu. Então ministro da Fazenda, Rui Barbosa mandou queimar,
em 14 de dezembro de 1890, os registros de posse e movimentação patrimonial envolvendo todos os escravos, o que foi feito ao longo de sua gestão e de seu sucessor. A razão alegada para o gesto teria
sido apagar "a mancha" da escravidão do passado nacional. Mas especialistas afirmam que Rui Barbosa quis, com a medida, inviabilizar o cálculo de eventuais indenizações que vinham sendo pleiteadas pelos
antigos proprietários de escravos. Apenas 11 dias depois da Abolição, um projeto de lei foi encaminhado
à Câmara, propondo ressarcir senhores dos prejuízos gerados com a medida. Mas, mesmo sem os
papéis, a escravidão deixou marcas duradouras e traços para sempre visíveis na História do país.
A senzala
Um único espaço se destinava ao lazer e sono de todos os escravos
VISITA ÍNTIMA
Normalmente, divisões internas da senzala separavam homens e mulheres. Mas, algumas vezes, era permitido aos poucos casais aceitos pelo senhor morarem em barracos separados, de pau-a-pique, cobertos com folhas de bananeira.
ROÇA
Aos domingos, os escravos tinham direito de cultivar mandioca e hortaliças para consumo próprio.
Podiam, inclusive, vender o excedente na cidade. A medida combatia a fome do campo, pois a
monocultura de exportação não dava espaço a produtos de subsistência.
HORA DO TAMBOR
Quando a noite caía, o som dos batuques e dos passos de dança dominava a senzala.
As festas e outras manifestações culturais eram admitidas, pois a maioria dos senhores
acreditava que isso diminuía as chances de revolta.
FEITORES
Homens armados ficavam do lado externo da senzala, guardando as portas para impedir fugas.
Também eram encarregados de organizar expedições para recapturar foragidos água, que os
escravos usavam para se lavar
SEXO
Escravas eram encaradas basicamente como reprodutoras. Também sofriam violências sexuais
e eram obrigadas a participar de orgias com os fazendeiros e os filhos e amigos deles
HIGIENE
Sem água corrente, as senzalas fediam. Atrás do barracão ficavam as latrinas fossas no chão
e barricas cheias de água, que os escravos usavam para se lavar




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