sexta-feira, 1 de março de 2013

Rede de corrupção dá bolsa-pesca até para fazendeiros e políticos




A época mais sensível do ciclo natural dos peixes de rios é alvo de atividades predatórias que
ameaçam extinguir espécies nas águas mineiras, e já comprometem o sustento de pescadores,
enquanto a principal política oficial para evitar capturas predatórias acaba sustentando pessoas
que estão longe de depender da atividade. Compreendida entre novembro e fevereiro, a chamada
piracema chega hoje ao último dia. É o período de reprodução, em que os exemplares estão mais
vulneráveis às redes e anzóis dos profissionais. Capturar animais nessa época é proibido,
mas surubins, dourados e matrinchãs – espécies ameaçadas de desaparecercontinuam sendo fisgados
sem interferência da polícia ou de órgãos ambientais e de regulação da atividade, como mostra a
partir de hoje série de reportagens do Estado de Minas. O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) entende que a solução é “conscientizar”, mas o instrumento mais usado para inibir transgressões vem alimentando uma rede de corrupção.
O Seguro-Desemprego ao Pescador Artesanal, um salário mínimo mensal pago a época do defeso
a quem sobrevive da pescaria rudimentar, acaba em muitos casos engordando os bolsos de pessoas
como políticos, fazendeiros, comerciantes e até religiosos.
Os reais necessitados muitas vezes não veem a cor do dinheiro.

Vasculhando as listas de recebimento dessas bolsas para pescadores artesanais e cruzando-as com comprovantes de pagamentos de instituições públicas, registros de outras atividades e lastros de
campanhas políticas, a reportagem do EM encontrou pelo menos 55 pessoas em Minas Gerais
suspeitas de receber auxílios fraudados.
São ex-vereadores, carvoeiros, donos de negócios privados e empresários que dirigem carros novos,
têm propriedades e ainda assim desviam o recurso que poderia ampliar as políticas de preservação
da fauna e das comunidades ribeirinhas. Não é pouco dinheiro envolvido.
Só em Minas Gerais foram liberados, nos últimos quatro anos, R$ 62.474.905,44 para o seguro,
2% dos  R$ 2.921.112.552,70 pagos no Brasil. Porém, Minas é exatamente um dos estados que têm
a fiscalização mais frágil. Nos últimos dois anos houve 90 mil benefícios suspensos no Brasil e 98.336 carteiras de pesca cassadas por suspeitas de fraude. Em Minas, 3.757 carteiras foram suspensas, mas nenhuma delas devido a desvios do seguro-desemprego do pescador artesanal, segundo os ministérios
da Pesca e do Trabalho.

A apenas três quilômetros da Lagoa da Pampulha, um dos símbolos de Belo Horizonte, mora uma
pessoa que, segundo o registro no Ministério do Trabalho, sobrevive do sustento que tira de rios e
lagos. Ou seja, um pescador artesanal em plena área urbana da capital. Mas esse homem, de 60 anos,
não está entre aqueles que insistem em tentar capturar tilápias das águas poluídas pelo esgoto na
Pampulha. O pescador, que recebeu R$ 3.924 desde 2011 – dinheiro que deveria prover seu sustento
para não morrer de fome na piracema –, está inscrito a 220 quilômetros da capital mineira, como
integrante da colônia pesqueira de Abaeté, no Centro-Oeste do estado.
Mas esse homem, o pastor Roberto Marcos dos Santos, está longe de ser um pescador artesanal.

Na verdade, o pastor Santos é administrador de uma instituição para tratamento de dependentes
químicos também na Pampulha. Os 36 pacientes que ela mantém precisam pagar um salário mínimo mensalmente e contribuir com cestas básicas enquanto tentam se livrar dos vícios, segundo o
programa seguido pelo religioso. O sítio onde funciona a instituição tem piscina, área de lazer e lago
com peixes, e ela emprega também a mulher e o filho do pastor-pescador.
Seguro-Desemprego a Pescador Artesanal

É a assistência financeira temporária concedida desde 1992 exclusivamente ao pescador profissional
que exerce suas atividades de forma artesanal, individualmente ou em regime de economia familiar,
e que tem suas atividades paralisadas no período de defeso (fechamento da temporada de pesca
para reprodução dos peixes). Para ter direito ao recurso, o pescador deve ter registro de profissional
na categoria artesanal; estar inscrito no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); comprovar venda
do pescado 12 meses antes do defeso ou possuir comprovante de dois recolhimentos ao INSS. Deve, ainda, comprovar o exercício profissional da atividade de pesca artesanal ininterruptamente
(a maioria faz isso por meio das colônias de pescadores) e não ter vínculo de emprego, relação de
trabalho ou outra fonte de renda. Fraudadores podem ter o benefício cancelado e ser obrigados a
devolver os recursos aos cofres públicos



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